Jogo aberto e honesto no relacionamento agência/cliente

Já foram “contatos”, já foram executivos de contas ou, para parecer mais do que são, “account executives”, no genérico são “o atendimento”.

Não sei bem se ainda existem e que título ostentam, mas cada vez que vejo ou ouço menções a essa turma, vem logo depois algum adjetivo desqualificativo…

Seja quem for que faça esse trabalho nas agências de hoje, alguém tem que fazê-lo. Nem que seja um dos mandachuvas da agência. Ou será que as apresentações sejam meramente enviadas por whatsapp?

Não importa: o relacionamento agência-cliente passa por algum ser humano, tenha ele o título que tiver.

De forma marcante e decisiva.

Viver os dois lados de uma conta é fundamental.

Mas viver, mesmo. Discutir oportunidades, sair com os vendedores, ser visto e aceito como “de casa”.

Do outro lado também tem uma pessoa. Ou pessoas, no plural, pessoas que no mais das vezes são poupadas pela maledicência, como se do lado de lá todos fossem profissionais de altíssimo nível, competentes, racionais, educados, colaborativos, superpreparados e por isso onipotentes.

Em verdade isso nem sempre é bem assim. Ou muitas vezes não é bem assim.

Nem todos os executivos de contas merecem a maledicência, nem todos os profissionais dos clientes merecem ficar livres das chicotadas que só são dadas nos “atendimento-juniores”.

Em verdade, a coisa ultrapassa o disse-que-disse e vem antes, depende muitas vezes do próprio clima institucional, corporativo, que foi estabelecido lá atrás, entre a agência e cliente.

Na minha longa carreira em que desempenhei esse papel, cruzei com todo tipo de empresas e pessoas e por uma razão tanto houve química que funcionou muito bem como, ao contrário, ocasiões em que o relacionamento se desenvolveu de maneira reciprocamente sofrida.

Fatores profissionais, claro, mas muitas vezes fatores meramente humanos, do ir ao não ir com a cara.

Já fiz menção em outro texto, à Bayer e ao trabalho extrema e reciprocamente vantajoso. Cheguei a mencionar nominalmente o sr. Braunleder, uma figura fora de série que bateu recordes de vendas e soube explorar os pontos fortes da agência, dando-lhe toda liberdade para trabalhar, uma liberdade que foi cobrada sem parar, levando sempre a excelentes resultados para um lado e para outro.

Liberdade, confiança, respeito, aliás, não se conquista com requerimentos com firma reconhecida em cartório.

Da Alpargatas, outra experiência muito bem-sucedida, resultaram não só campanhas de sucesso construídas a 4 mãos, mas um relacionamento para sempre com profissionais modelo como Airton Dias (um verdadeiro e reconhecido expert na área de calçados) ou Décio Nappi, outro papa do marketing, pessoas que -friso- conheciam como extrair o melhor da agência. Sem que o excelente relacionamento pessoal levasse a perigosos acidentes de percurso.

Há casos negativos que, devidamente analisados, explicam muito bem o desgastado relacionamento. É o caso da Gillette, por exemplo, onde as coisas sempre correram com falta de sinergia, e o principal motivo estava lá atrás, na própria forma como a agência foi contratada. A Gillette não escolheu a Lage, Stabel e Guerreiro/BBDO. Aliás, dificilmente nós seríamos escolhidos pela Gillette com sua cultura de marketing e comunicação tão arraigada. Diferença substancial da compreensão da missão de cada um. Água e azeite. Acontece que a agência foi imposta pela matriz, em Boston, assim que fizemos associação com a BBDO. Por mais competentes que fôssemos, e por mais competente que fosse o pessoal conduzido por uma figura mitológica da propaganda carioca, da. Eugênia Nucinski, o clima sempre foi gelado. Mudamos o atendimento, desconfiados de que houvesse questões meramente pessoais. Mas nada.

Há exemplos e mais exemplos.

Quem quiser que maldiga à vontade o atendimento, não importa que nome se dê à pessoa responsável por conduzir esse processo. E não me venham com a ideia de que é desnecessária uma pessoa com essa função. Pode ser até um mandachuva da agência, desde que a convivência com o cliente seja contínua e saudavelmente interativa.

Alguns poucos dos pontos para que a coisa funcione:

Arrogância: Se há uma coisa a ser evitada é a arrogância. Publicitário dono da verdade é mortal para o relacionamento. Isso vale, sobretudo, para os deuses da criação que tratam sua obra como irretocável, imexível.

Entre parentes, um episódio que põe em evidência o papel não arrogante de um criativo de verdade. Quando a Transbrasil (lembram-se?) comprou seu primeiro jato, a agência preparou uma campanha maravilhosa, mas inadequada. Ao revisar os anúncios com o Neil Ferreira, mostrei-lhe o erro de enfoque. A companhia estava lançando seu jatão e isso não era enfatizado nos anúncios. Na hora de apresentar o trabalho ao comandante Omar Fontana, o Neil explicou que a campanha tinha uns 10 ou 15 anúncios diferentes, mas todos errados. Jogou os layouts no chão, pegou um deles e, nas suas costas (naquele tempo ainda não havia pen drives) explicou como seria a campanha: fotografia do novo jato e apenas um título: o Jatão.

Ouvir: Há publicitários que adoram sua própria voz. Saber ouvir é mandatório.

Conviver: Sentir-se e ser sentido como de casa. Relacionar-se com todo mundo na empresa-cliente. De vez em quando sair com os vendedores, encostar a barriga no balcão.

Interpretar: O briefing como resultado da convivência e não como obra acadêmica, distante da realidade.

Simplicidade: Não complique a guerra. Em tese, quem conduz o relacionamento precisa apenas de três coisas. 1. Saber responder perguntas, sendo que um “não sei” honesto é resposta absolutamente válida. 2. Saber fazer perguntas. Perguntas que façam sentido, dirigidas às pessoas certas. 3. Saber o que fazer com as respostas.

E por parte dos clientes?

Parceria: Relacionamento de profissional com profissional, cada um cumprindo seu papel num sentido constante de soma, complementação.

Jogo do adivinho. Quantas vezes vi clientes escondendo o jogo, meio que querendo fazer com que a agência caísse do cavalo por não ter percebido determinados fatores ou deixado de fazer perguntas, num verdadeiro jogo de adivinhação.

Respeito. Não adianta querer ser respeitado se a recíproca não for verdadeira.

Simplicidade. Vale o que está escrito ali em cima, referindo-se ao pessoal da agência.

 

 

José Carlos Stabel é jornalista e publicitário, com longa atuação em agências de propaganda e de marketing direto nacionais e multinacionais (Lage Stabel/BBDO, Norton, B2B, Stabel-Grey/Direct) nas quais dirigiu equipes de profissionais, planejou e desenvolveu um grande número de projetos de comunicação e de marketing de relacionamento.

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